sábado, 2 de junho de 2018

Ciclos de Brahma e ciclos terapêuticos

"A senhora Blavatsky explicava que cada pessoa vive num ciclo, precisamente de aparecimento e desaparecimento do mundo; que esse ciclo é algo que dura quatro bilhões de anos e que, depois, a noite é de quatro bilhões de anos e torna a começar e continua durante anos. Então, a miséria de ontem não parece já tão importante num dia de quatro bilhões de anos, e a gente já não pode se dizer "vou fazer amanhã" porque amanhã está muito longe. São versões de teorias do hinduismo, revisadas pela senhora russa, de origem alemã, que tem uma vida inacreditável, admirável.

Há um ciclo. É muito importante a idéia do ciclo do Brahma em tudo isso. A idéia de ciclo produz um certo distanciamento porque é como a idéia de Nietzsche, do eterno retorno, idéia que não se entende muito bem. Os mundos cíclicos são muito apaziguadores. A idéia de que há uma só linha breve e que, depois, vem a duração eterna e o paraíso é uma idéia para angustiar todo mundo. E se a tem utilizadoassim, a partir de Lutero. É o mundo do qual veio a psicanálise, da angústia produzida por essa idéia. Na Índia, na Ásia, onde a concepção básica é cidica, o que é algo muito mais tranqüilizador, a psicanálise não fincou raizes. Estamos angustiados pela tradição judaico-cristã que, realmente, trabalha a massa psíquica humana há sete mil anos, que não são nada emcomparação com os ciclos da senhora Blavatsky ou de Brahma.

Nós somos angustiados pela tradição judaico-cristã, que trabalhou a massa psíquica humana com um Deus furioso; é um pai que ama, um pai "todo amor" e seu filho está na cruz, torturado.
Todas essas histórias são realmente para angustiar, para traumatizar.
Nossa sensibilidade sai disso, de histórias de amor, de sofrimento horrível sem razões, de salvação, de conquista, de esmagamentos. Resultado: a psicanálise. Mas devemos tentar recuperar algo do asiático com os ciclos, os ciclos de Freud, não os ciclos do Brahma. Lembro-me muito
bem, quando comecei a analisar, que me chamava a atenção o momento em que a pessoa pensava em partir mas ficava. Eu o via como uma espiral: seja quando se permanece na mesma dimensão e se parte, seja quando se produz um deslocamento e a espira se desdobra."

Jacques Alain Miller, Efeitos terapêuticos breves, p.81

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