sábado, 16 de janeiro de 2010
Campbell - As Máscaras de Deus- Mitologia Primitiva
A questão então torna-se apenas: quanto uma pessoa pode subir ou descer sem perder a noção do jogo? O Prof. Huizinga, em sua obra já mencionada, observa que em japonês o verbo asobu, que se refere a jogar em geral – recreação, relaxamento, diversão, passeio ou excursão, dissipação, jogos de azar, andar à toa ou estar desempregado – também significa estudar na universidade ou com um mestre; igualmente, envolver-se em um combate simulado; e, por último, participar nas formalidades muito estritas da cerimônia do chá. Ele continua:
“A extraordinária severidade e profunda seriedade do ideal de vida japonês são encobertas pela alegoria elegante de que tudo é apenas um jogo. Como o cavalheirismo da Idade Média cristã, o bushido japonês formou-se quase inteiramente na esfera do jogo e era representado em formas lúdicas. A língua ainda preserva essa concepção no asobase-kotoba (literalmente “língua-jogo”, ou linguagem cortês, o modo de dirigir-se, nas conversas, às pessoas de nível superior. A idéia convencional é que as classes mais altas estão apenas “brincando” ou “jogando” em tudo o que fazem. A forma polida de se dizer “você chega a Tóquio” é literalmente, “você brinca de chegar a Tóquio” e em vez de “soube que seu pai morreu”, “soube que seu pai brincou de morrer”. Em outras palavras, imagina-se que a pessoa de nível superior viva em uma esfera elevada, onde só o prazer ou o capricho levariam à ação.”
Desse ponto de vista extremamente aristocrático, qualquer estado de arrebatamento, seja pela vida ou pelos deuses, tem que representar uma queda ou descida do nível espiritual, uma vulgarização do jogo. Nobreza de espírito é a graça- ou habilidade- de jogar, seja no céu ou na terra. E isso, eu suponho, esta noblesse oblige, que sempre foi a condição da aristocracia, era exatamente a virtude dos poetas, artistas e filósofos gregos, para quem os deuses eram verdadeiros, como a poesia é verdadeira. Nós podemos supor que esse também tenha sido o ponto de vista mitológico primitivo, em contraste com a visão positivista mais rígida representada mais tarde, por um lado, pelas experiências religiosas do tipo literal, em que o impacto de um dáimon, elevado da sua origem no nível dos sentimentos para o plano da consciência, é assumido como objetivamente real; e, por outro lado, pela ciência e economia política, para as quais apenas os fatos mensuráveis são objetivamente reais.
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