sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Herman Hesse ( O Lobo da Estepe)

"Quando o orador subiu à tribuna e começou a elocução, decepcionou , pela maneira presumida e frívola de seu aspecto, a muitos de seus ouvintes, que o haviam imaginado algo assim como um profeta. E quando então começou a falar e, à guisa de introdução, endereçou aos ouvintes palavras lisonjeiras, agradecendo-lhes por terem comparecido em tão grande número, nesse exato momento o Lobo da Estepe me lançou um olhar instantâneo, um olhar de crítica àquelas palavras e a toda a pessoa do conferencista, oh!, um olhar inesquecível e tremendo, sobre cuja significação poder-se-ia escrever um livro inteiro! O olhar não apenas criticava o orador e destruía a celebridade daquele homem com sua ironia esmagadora embora delicada; não, isso era o de menos. Havia naquele olhar um tanto mais de tristeza que de ironia; era na verdade um olhar profundo e desesperadamente triste, com o qual traduzia um desespero calado, de certo modo irremediável e definitivo, que já se transformara em hábito e forma. Não só transverberava com sua desesperada claridade a pessoa do vaidoso orador, ironizava e punha em evidência a situação do momento, a expectativa e a disposição do público e o título um tanto pretensioso da anunciada conferência- não, o olhar do Lobo da Estepe penetrava todo o nosso tempo, toda a afetação, toda ambição, toda a vaidade, todo o jogo superficial de uma espiritualidade fabricada e frívola. Ah! lamentavelmente, o olhar ia mais fundo ainda, ia além das simples imperfeições e desesperanças de nosso tempo, de nossa espiritualidade, de nossa cultura. Chegava ao coração de toda uma vida de pensador, talvez a de um conhecedor da dignidade e, sobretudo, do sentido da vida humana. Esse olhar dizia: "Veja os macacos que somos! Veja o que é o homem!"

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