sábado, 4 de julho de 2009

Trecho de Medéia




O Centauro fala:

"É tudo santo...
tudo é santo, tudo é santo.

Não há nada de natural na natureza, meu pequeno.

Guarde isso na memória.
Quando a natureza parecer natural...
terá acabado tudo...
e começará qualquer outra coisa.
Adeus céu, adeus mar.

Que bonito céu!
Próximo!
Feliz!
Diga, não parece mesmo...
nada natural qualquer pedacinho dele...
e que pertence a um deus?

Assim como o mar...
neste dia em que faz anos...
e está pescando com os pés na água morna.

Olhe atrás de você.
O que vê?
Talvez alguma coisa natural?
Não! É uma miragem a qual vê atrás de você.
Com as nuvens que se espelham...
na água parada pesada...
das três horas da tarde.
Olhe lá longe...
aquela tira preta sobre o mar brilhante como azeite.
Aquelas sombras de árvores e aqueles canaviais.

Em cada ponto onde seus olhos pousam...
está escondido um deus.
E se por acaso não está...
aí deixou sinais de sua presença sagrada.
Ou silêncio...
ou cheiro de erva...
ou frescor de água doce.

Sim tudo é santo...
mas a santidade traz consigo uma maldição.
Os deuses que amam odeiam ao mesmo tempo.

Talvez tenha achado que além de mentiroso...
fui também muito poético.
Mas que quer? Para o homem antigo...
os mitos e os rituais são experiências concretas...
que o compreendem até em seu existir corporal e cotidiano.
Para ele a realidade é uma unidade tão perfeita...
que a emoção que sente, digamos...
frente ao silêncio, de um céu de verão...
equivale totalmente...
à mais interior experiência pessoal...
de um homem moderno"


(Filme dirigido por Pasolini, baseado em texto de Eurípedes.)


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