quinta-feira, 23 de abril de 2009

Goethe-Schubert- Der Erlkönig

Estive a ouvir a ópera Orfeu e Eurídice do Gluck, e fechando os olhos sentia como se os próprios deuses cantassem, era como se os cantos de Orfeu continuassem ressoando pelo o espaço, eternamente. E comecei a refletir sobre a possibilidade de a música nos propiciar encontros místicos e intensos com uma mitologia já morta e esquecida, de reanimar e trazer à vida velhos deuses.

Tudo isto não tem muito a ver com este tópico, mas me encanta a união da música com as letras, com a poesia. Pretendo publicar uma série de lieders do Schubert, e quem sabe de outros compositores, sobre poemas do Goethe, com suas respectivas traduções.

Começarei com Der Erlkönig, com a interpretação de Fischer-Dieskau, e também uma gravação muito expressiva visualmente de Jessye Norman.

Tenho em mãos um livro com diversas traduções de poemas do Goethe, organizado por Samuel Pfromm Netto, de onde tirei a tradução deste, bem como o pequeno trecho a seguir:

"As origens da balada são uma poesia traduzida por Herder do dinamarquês e o relato feio a Goethe do desespero de um pai na tentativa de salvar seu filho único: em busca de socorro médico, cavalgou até a cidade de Iena com o filho nos braços. Era, no entanto, impossível salvar a criança e o pai voltou para casa com o filho moribundo, descendo, em meio do caminho, a uma hospedaria, a 'Estalagem do Pinheiro'. Antes mesmo de atingir a hospedaria, a criança morreu. Essa narrativa emocionou profundamente o poeta, que se hospedou na estalagem e na solidão e no silêncio desta escreveu "O Rei dos Elfos". P.A Moura esclarece que elfos era a designação de "seres etéreos", povoadores, portanto, dos ares, entidades intermediárias entre a divindade e as criaturas. Essas sílfides formavam duas categorias, os elfos brancos ou da luz e os elfos negros. Os primeiros (Lichtelfen) assemelhavam-se aos seres humanos, mas tinham pequena estatura e eram belos, graciosos, leves e ágeis. Como não tinham alma, esperavam adquiri-la no convívio com os seres humanos e procuravam atrair criaturas formosas para transformá-las em elfos. Quem não caía vencido sob o seu encanto, era por eles amaldiçoado, tocado ou bafejado pelo seu hálito, adoecendo ou morrendo subitamente. O rei dos elfos aparecia sempre com uma coroa e uma capa branca que, de passagem, deixava uma longa e brilhante esteira de luz dentro da noite,"


Interpretação de Fischer-Dieskau.


Interpretação de Jessye Norman.



Rei dos Elfos

Tradução de Lindolfo Gomes.

Quem corre a cavalo, tão tarde da noite,
Em meio das trevas, do vento ao açoite?
É um pai que o filhinho conduz em seus braços;
Resguarda-o do frio, do afeto nos laços.

Meu pobre filhinho, por que tal pavor?
E tapas os olhos, por que meu amor?
Não vêdes, meu pai, dos Elfos o rei?
É êle, e não me enganei.
É sim, bem lhe vejo eu o manto e a coroa...
Meu filho, é uma nuvem, talvez a garoa...

Mas diz-lhe uma voz em timbre de amigo:
Vem, caro menino, vem cá, vem comigo,
E juntos faremos mui lindos brinquedos
Risonhos e lêdos.
Nas ribas eu tenho milhares de flôres,
De tôdas as côres,
Iguais às dos prados.
Possui minha mãe mil vestidos dourados...

Meu pai, meu paizinho, que vozes são estas?
Ouvis as promessas
Que o rei dos Elfos faz baixinho em segrêdo?...
Oh, fica tranqüilo, não tenhas tu mêdo;
É o vento, que sopra em meio à folhagem...

Oh, linda criança, serei o teu pájem
Queres vir comigo? Pois vem. Minhas filhas
Aflitas te esperam, verás maravilhas!
E tôdas em ronda, ao luar dançarão,
E te hão de embalar e te adormecerão.
Cantando... dançando...

Meu pai, que! não vêdes, embaixo na sombra,
Do rei que me chama as filhas na alfombra?...
Meu filho, não penses em reis feiticeiros:
As sombras que vês, são os velhos salgueiros...

Eu te amo, e a tua beleza me encanta;
Se aos rogos não cedes, a fôrça suplanta,
Fazer-te ceder, isto a mim não me custa...
Meu pai, ó meu pai, ei-lo já que me assusta
O rei feiticeiro me faz tanto mal!...

O pai estremece e ao filho, a afagá-lo
Os flancos aperta, nervoso, ao cavalo
E vai, entre os braços, levando a criança
Que geme. Depressa a herdade êle alcança
E inquieto sem fôrças, enfim bate à porta,
Estava a criança, em seus braços - já morta.

Nenhum comentário: